Nesta viagem, terei por companheiro um lobo-guará. Ele fala pouco, passa muitos momentos assim, contemplativo, e parece não ter inclinação para reclamar. Não me contou muito da sua vida, mas sei que veio a mim numa caixa de papelão e que nasceu em Lajeado, das mãos de mulheres presas. Que eu saiba, não tem nome; mas, isso não foi problema na imigração.
Embarcamos hoje para o Reino Unido. (No momento que escrevo, atravessamos o Atlântico, e ele dorme tranquilo dentro da mochila sob a poltrona.)
Pois bem. Sou avesso a redes sociais e acredito que toda viagem bem viajada demanda um desligamento, ainda que breve, do porto de partida. Há, porém, duas peculiaridades nesta viagem que explicam este diário. A primeira é que as razões da viagem estão ligadas às minhas atividades como professor e policial penal: darei uma palestra na Universidade de Reading e farei visitas a estabelecimentos prisionais na Escócia e na Inglaterra. A segunda é que, exatamente por esses motivos, me acompanharão amigos, colegas e alunos; não podendo (desta vez) cá estar comigo, pedem notícias, estão atentos, querem participar de todos os eventos. Farei, pois, o possível para compartilhar com todos as experiências destas duas semanas.
Faltam ainda quatro horas de voo sobre o Atlântico. Parafraseando Stanley Cohen, em sua narrativa fantástica de The Last Seminar, não há muito mais que um curioso possa fazer, senão sobreviver e tentar entender o sentido das coisas. (Originalmente, ele se refere ao intelectual - que, ao fim e ao cabo, não passa de um grande curioso.) É o que vamos fazer.
Leandro Ayres França