O décimo dia da viagem marcou uma pausa nos compromissos acadêmicos e profissionais.
Descerro as cortinas, deixo entreaberta a porta da sacada para o vento frio que vem da rua, revejo a programação, percebo que estou mais próximo do retorno do que da vinda e saio de imediato. Mal abriu e já estava no interior da Hatchards, uma livraria fundada em 1797. Nada me interessou muito, mas saí de lá com um presente para um amigo. Tomei a direção do Tate Modern. Estou no segundo andar do museu quando recebo a mensagem: “Diga-me o que ele tem de especial.”
Gosto da sua arquitetura. O edifício foi uma usina elétrica - Bankside Power Station -, entre 1891 e 1981 (reparou que os números do meio se alternam?). O projeto arquitetônico foi assinado por Giles Gilbert Scott, que também desenhou a Battersea Power Station - ela aparece na capa do álbum “Animals”, do Pink Floyd, e foi reaberta, reformulada, há menos de vinte dias.
Do Tate Modern, também gosto de sua coleção e suas exposições especiais. Não é raro me deparar com trabalhos de brasileiros. Desta vez, encontrei a obra “Seja Marginal, Seja Herói” (1968), de Hélio Oitica, que se tornou a referência de um movimento artístico chamado de “marginália”. Estava lá também “Babel”, de Cildo Meireles: uma torre de rádios ligados, cada qual numa estação. A obra é de 2001, mas a reflexão é bastante atual: a sobrecarga de informações rompendo qualquer possibilidade de comunicação.
Passando de um a outro salão aleatoriamente, me chamou a atenção o trabalho da artista sul-coreana Haegue Yang, quem fez uma releitura da escultura “Structure with Three Towers” (1986), de Sol LeWitt. Ela reproduziu a obra numa estrutura suspensa no teto, feita com venezianas. Por isso, o nome: “Sol LeWitt Upside Down - Structure with Three Towers, Expanded 23 Times, Split in Three”.
Noutra passagem, surpreendi-me ao encontrar exposta uma réplica da “Fonte”, de Marcel Duchamp (a original é de 1917; a réplica, de 1964). Procure no Google a imagem dessa obra. Sim, a “Fonte” é um mictório, com uma anotação em tinta preta: “R. Mutt 1917”. Duchamp comprou o mictório e deu um jeito de enviá-lo para a recém-criada Sociedade de Artistas Independentes, que ele próprio ajudara a fundar e promover em Nova York. O regulamento societário a obrigava a aceitar todas as submissões de seus membros. No entanto, avaliando que uma peça de louça sanitária não poderia ser considerada uma obra de arte, o conselho de administração da Sociedade decidiu não expor a “Fonte” no seu evento inaugural (não foi bem uma rejeição; foi mais um “deixa ali no cantinho”). Instalou-se, então, uma polêmica que perdura até hoje: Quem diz o que é, ou não, arte? Gostemos ou não dela, em 2004, um grupo de especialistas elegeu a “Fonte” como a obra de arte mais influente do século XX.
A exposição das salas de espelho infinito de Yayoi Kusama estava com ingressos esgotados. E considerei que não haveria tempo suficiente para ver a exposição de Cézanne, pois a tarde já corria. Ainda ao sul do Tâmisa, passei no Borough Market - um dos meus lugares preferidos. De lá, atravessei o rio rumo à Piccadilly, passei pelo Soho, parei por algum momento pela Oxford e, quando me dei conta, já passava das dez horas da noite e eu caminhava próximo do hotel, cantarolando “London, London”, de Caetano:
I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely so...