Localizada no nordeste de Glasgow, a HMP Barlinnie é a maior prisão escocesa em operação atualmente. Entre a população local, ela é conhecida como “Bar-L” (falado com o R vibrante) ou “Big Hoose” (dialeto escocês para “house”). Construída entre 1882 e 1897, e com reformas posteriores, a prisão é administrada pela Scottish Prison Service, uma agência executiva do governo escocês. O complexo é dividido em uma área administrativa e cinco pavilhões (A, B, C, D, E) no estilo vitoriano. Barlinnie recebe presos provisórios (“remand”), condenados (“convicted”) por quaisquer crimes, desde que a penas inferiores a quatro anos, e também serve de porta de entrada no sistema de todos os custodiados do oeste do país antes de transferências. Ali, todos os presos são maiores de 21 anos. (De acordo com a legislação escocesa, jovens infratores com idade entre 12 a 15 anos podem ser detidos em alojamento seguros; entre 16 a 21, podem ser condenados a internação em instituição própria para jovens infratores.)
A visita se iniciou no horário do almoço. Uma das administradoras de Barlinnie (Elspeth) foi quem me acompanhou e me apresentou diversos agentes muito solícitos. Em conversa com eles, fui informado de que a maioria das pessoas ali presas possuem passagem pelo sistema e que muitos dos casos estão relacionados ao tráfico e ao abuso de drogas. Mas, aqui identifiquei um dado interessante: o tipo de condenação que mais cresceu proporcionalmente, nos anos recentes, foram aquelas por crimes sexuais; se há dez anos, os condenados por esses crimes não passavam de 50 em Barlinnie, atualmente eles ocupam todo o pavilhão E, num total aproximado de 360 “sex offenders”. Uma explicação para esse crescimento peculiar são as “historic offences”, ou seja, crimes ocorridos há algum tempo. De fato, no Reino Unido, tem aumentado o número de alegações de vítimas de crimes sexuais ocorridos muitos anos antes.
Nesta manhã, os registros indicavam uma população de 1.230 homens presos na unidade (o que excede um pouco a capacidade de engenharia). Era esperado o ingresso de 88 presos até o final do dia, sendo que 69 deles já estavam ali detidos, mas estavam fora para atendimento em hospital ou comparecimento ao tribunal.
Três detalhes me chamaram a atenção sobre a rotina prisional. Logo no início, observei que todas as pessoas que ingressam na unidade passam por revista eletrônica, inclusive os próprios servidores penitenciários. Sem qualquer exceção, passam por um portal detector de metais, enquanto seus pertences passam pelo aparelho de raio X e, havendo necessidade, por inspeção mais detalhada. O segundo ponto que merece registro é o fato de que, enquanto a execução penal em Barlinnie é administrada integralmente pelo serviço prisional escocês (SPS), a escolta de pessoas presas é feita por uma empresa contratada (GEOAmey). Outro detalhe interessante: a condução das pessoas presas é feita com sua algemação junto ao pulso do agente prisional ou do profissional terceirizado de escolta.
Os homens presos são classificados conforme níveis da vigilância a ser exercida pelos agentes prisionais: baixo, médio e alto. Todos os presos provisórios entram na última categoria. Outra distinção aparece nos uniformes: condenados usam um moletom vermelho; provisórios e presos trabalhadores utilizam um moletom azul – estes, com a indicação da função que exercem.
O sistema de execução penal escocês não tem o instituto da remição penal (que, no Brasil, proporciona um cumprimento mais rápido da pena por meio da realização de algumas atividades). A ausência do instituto se justifica tanto pela defesa do cumprimento efetivo da sentença imposta quanto pelo fato de que as penas aplicadas são bastante menores se comparadas com as nossas. Assim, a participação dos presos em atividades de trabalho, ensino e leitura são práticas voluntárias, sem impacto imediato na pena – mas com impacto mediato no processo de reintegração social.
Aos presos que trabalham, garante-se o pagamento do salário mínimo. Além dos trabalhos no interior da prisão (cozinha, limpeza, jardinagem, reciclagem etc.), há oficinas de mobiliário em madeira e de esculturas de metal.
Num prédio recém construído, ficam as salas de estudo, onde são oferecidos cursos de: artes, matemática, inglês, serviços de informática, música, escrita criativa, estudos modernos (não me aprofundei para saber do que tratam); e ainda fui informado que há eventos especiais, como o workshop sobre comédia, que ocorreria na sexta-feira seguinte.
Existe ainda um espaço chamado de “resource hub”, que me foi apresentado pelo agente Stuart, com mesas de sinuca no centro e prateleiras de livros e DVDs, em vários idiomas, para empréstimo. (Sim, as celas têm aparelhos de televisão e de DVD.) Os presos podem ficar ali pelo período de uma hora. Nesse espaço, profissionais e ONGs oferecem assistência psicológica, orientação odontológica, suporte para problema com vício em drogas, apoio na busca por moradia pós encarceramento, entre outros serviços. Além disso, é ali que é feita a programação da rádio da prisão, que pode ser escutada por todos os presos num canal de suas televisões. E foi ali que um dos apenados (moletom vermelho) nos abordou para fazer o pedido de mais filmes de Bollywood. De origem indiana, ele se apresentou como médico. Stuart, então, pediu que ele me contasse abertamente sobre sua impressão de Barlinnie e ele me pareceu bastante sincero quando elogiou o tratamento penal e criticou as deficiências do atendimento feito pelo sistema público de saúde (NHS).
Há uma cantina, gerenciada pelo governo, que oferece alimentos e itens básicos às pessoas presas. Presos provisórios podem fazer pedidos duas vezes por semana e têm o limite de gasto semanal de £ 20. Presos condenados podem fazer pedido somente uma vez por semana, com o limite máximo semanal de £ 10. Os valores são descontados da “conta corrente” do preso, gerenciada pela instituição. Somente podem ser pedidos os alimentos e itens indicados em uma lista ofertada pela administração prisional. Nenhum item fora dela pode ser adquirido. Familiares e visitas não podem levar ou enviar alimentos ou qualquer outro item.
Para tentar evitar qualquer “preparação” para a visita, perguntei se eu poderia visitar algum pavilhão escolhido aleatoriamente. Minha guia respondeu afirmativamente. Decidi pelo pavilhão C, onde ficam os presos provisórios, classificados como “alta vigilância”. Entrei em algumas celas. Cada uma possui dois leitos e isso estabelece o máximo de pessoas ali dentro. Nelas, há um espaço privativo para o vaso sanitário, montado com um material semelhante a compensado. Isso é uma improvisação moderna porque, até cerca de vinte anos atrás, as celas originais não tinham privada ou encanamento, exigindo que os presos coletassem seus excrementos e os dispensasse na manhã seguinte (“slopping out”). Não há chuveiro nas celas, somente no final de cada corredor dos pavilhões; mas, ouvi a promessa de corrigirem essa questão na nova unidade em construção.
No pátio (“yard”) desse pavilhão, cerca de 50 presos andavam em círculos, no que me pareceu uma reprodução viva da Ronda dos Prisioneiros (de Van Gogh), enquanto quatro agentes os vigiavam – dois em um canto, dois no outro oposto. Conversamos, entre agentes, sobre a dinâmica do pátio. Esportes de competição – e o “football” entra nessa categoria – não são autorizados. Cones marcam um limite de distância para com um dos muros, com o propósito de evitar que eventuais lançamentos de drogas sejam alcançados pelos presos. Brigas não são comuns; quando ocorrem, os agentes entram para separar os contendores. Como não há armas de acesso imediato, essa intervenção é feita no braço. (Casos mais graves são resolvidos por agentes considerados assistentes operacionais; e, para incidentes de motim ou rebelião, existe uma equipe tática nacional que pode ser mobilizada.)
Em 2018 foi anunciada a intenção de fechamento de Barlinnie em razão de sua inadequação estrutural com relação às técnicas exigidas para a execução penal contemporânea.